Lá no alto dos meus 16, 17 anos, eu me lembro de ter que escolher qual curso superior eu deveria fazer. Como sempre fui bitolado por computadores, não via outra opção a não ser Análise e Desenvolvimento de Sistemas.

Acontece que o interesse técnico não foi o único motivo para essa escolha. Eu sempre fui uma pessoa tímida, apesar de extrovertida. Sempre tive vergonha de conversar com estranhos. Eu enxergava na tecnologia uma saída óbvia: capacidade de fazer o que eu gostava sem precisar ficar conversando com humanos desconhecidos.

Some isso ao fato de meu pai sempre ter trabalhado na área comercial e, de tempos em tempos, passar por apertos financeiros. Eu cresci ouvindo que a área comercial era arriscada pois era imprevisível e instável. Na área comercial não existe férias, salário fixo, décimo terceiro e todos os outros penduricalhos da CLT. Com 17 anos, eu tinha na cabeça que isso era algo ruim.

Enfim.. Não preciso dizer que eu estava redondamente enganado em diversos aspectos. O principal deles é o fato de pensar que, ao trabalhar com tecnologia, eu não precisaria lidar com pessoas. Demorei anos para descobrir e entender isso.

Por isso, no texto de hoje quero falar sobre a importância de aprender a lidar com pessoas da única forma correta possível, a negociação.

Senta que lá vem história

Joãozinho é um programador de software já com certa experiência. A Mariazinha é uma programadora de software também com experiência. Ambos trabalham na mesma empresa, na mesma equipe.

Eis que, segunda-feira, surge o chefe: “Pessoal, temos um projeto novo e vocês foram escalados para tirar a ideia do papel!”. Que ótima notícia. Tudo o que um programador quer ouvir é que lhe foi passada a missão de começar um projeto do zero e fazer tudo da forma como ele acha certo.

Então começam as discussões sobre a arquitetura do projeto. A Mariazinha é fã de Python, o Joãozinho é fã de Javascript. Depois de uma intensa discussão sobre prós e contras de adotar alguma das linguagens, chega-se a um impasse. “Tá, depois a gente resolve”

Vamos para o banco de dados. Qual usar? O Joãozinho é fã de Oracle, a Mariazinha é fã de PostgreSQL. De novo uma discussão acalorada sobre prós e contras. De novo um impasse. E assim segue-se com todas as outras discussões. Heroku ou Beanstalk? Redis ou Memcached? React ou Vue? As discussões sempre chegavam ao impasse.

Como sair de um cenário desses sem que ninguém fique incomodado? Da única forma possível: negociando!

A importância de aprender a negociar

Existem apenas duas formas de convencer alguém a fazer algo. A primeira delas é a força, seja física, seja psicológica. Sabe aquele chefe que sempre fala te ameaça de demissão? Esse é o babaca que convence os outros através da força. 

De fato, é possível conseguir quase tudo o que se deseja a partir da força. Mas o custo é sempre alto. No longo prazo esse método não funciona, por um simples motivo: sempre existirá alguém mais forte que você.

A única alternativa aceitável para a força e a negociação. Inclusive essa é uma das características que diferenciam um bom líder de um chefe babaca. Enquanto um ameaça te demitir se você não entregar o projeto no prazo, o outro te incentiva oferecendo um bônus, caso o projeto seja entregue. Essa é a essência de uma boa negociação.

Acontece que negociações não se resumem a isso. Muito pelo contrário. Você é um ser humano que vive em sociedade e interdepende de outros seres humanos para viver. Esta premissa te obriga a negociar diariamente.

Sim, você negocia todo santo dia, mesmo sem perceber. Quando você decide parar na padaria, por exemplo, para tomar seu café da manhã, você também decide negociar. Ao pagar R$ 5,00 em troca de um pão na chapa com saída requeijão e um pingado médio, você topou negociar com o dono da padaria. O padeiro propôs te servir um pão na chapa e um pingado caso você desse uma nota de R$ 5,00. Você aceitou este acordo. De forma resumida, você participou de uma negociação.

O fato é que você negocia o tempo todo, a todo momento. Não tem como fugir disso. Ao escolher viver em sociedade, automaticamente você também escolhe negociar. Já que essa condição é obrigatória, ao não aprender a negociar, você corre sérios riscos de sempre sair perdendo nas suas negociações. 

Cansei de ver, ao longo de toda minha carreira, programadores mil vezes melhor que eu ganhando bem menos do que eu ganhava. Isso acontece porque, na vida, não se ganha o que se merece, só se ganha o que se negocia. Eles eram melhores programadores, mas eu era melhor negociador.

Como ser um melhor negociador

Em uma de minhas corridas diárias, estava ouvindo uma entrevista do excelente Gustavo Cerbasi, onde ele dizia que é preciso sempre primeiro fazer o que é necessário para, depois, fazer o que se quer.

Você já entendeu que, quer queira, quer não, você sempre está negociando. Já que você não é um ermitão, que vive isolado da civilização, você também já entendeu que a sua única alternativa para uma vida melhor é ser um bom negociador. Mas como?

Basicamente, existem três desfechos para uma negociação. A primeira delas é quando nenhuma parte sai satisfeita. Imagine que você contratou um pedreiro para reformar sua casa. Ele te cobra um preço camarada, bem mais barato que a média. Você, crente que vai sair ganhando desta negociação, aceita. Passam-se dois, três, quatro meses e nada do pedreiro terminar o serviço. Ele aparece um dia sim, dois não. Deixa tudo sujo, levanta uma parede completamente torta. Você, com raiva, resolveu que não vai pagar pelo serviço. O pedreiro, com raiva, não aparece mais. Podemos chamar esta negociação de “perde-perde”. 

O segundo desfecho possível para uma negociação é quando uma parte sai satisfeita, mas a outra não. Imagine que você encontra aquele seu vizinho antigo, mecânico, que não vê a anos. Ele fala para você que tem uma ótima oportunidade para te oferecer: um carro lindo, praticamente novo, super bem cuidado, pela metade do preço da tabela FIPE. Você aceita sem pestanejar. Então, com o carro em mãos, você resolve fazer uma longa viagem. No meio da viagem o carro pifa e você descobre que aquele carro tem um problema irreparável, que, convenientemente, não foi citado na hora da negociação. Este é um clássico exemplo de uma negociação “perde-ganha”. Você saiu perdendo mas o seu antigo vizinho saiu com um belo sorriso no rosto.

Por último, temos a o terceiro tipo de desfecho possível para uma negociação, que é quando ambas as partes saem ganhando. Imagine que você, por conta da pandemia, precise trabalhar de casa. Você possui o mesmo plano de internet há anos e, agora, resolveu contratar uma internet melhor. Então você liga para o serviço de consumidor da sua operadora para adquirir um novo plano, explica o ocorrido e é surpreendido por uma cortesia. Por se tratar de um cliente antigo, a operadora decide te bonificar com 6 meses de internet em dobro, caso você tope assinar um contrato de fidelidade de 12 meses. Esse é o exemplo de uma negociação “ganha-ganha”, onde ambas as partes saem contentes e felizes. Você ganha mais internet pelo mesmo preço e a operadora ganha um cliente satisfeito que se manterá cliente durante mais um ano.

Agora, pense comigo. Olhando para estas três situações, com quem você voltaria a fazer negócio? Com o pedreiro, que não cumpriu com o combinado? Com o vizinho, que te passou a perna? Ou com a operadora de internet, que te ofereceu uma vantagem? A resposta é óbvia.

No longo prazo, as únicas relações que se mantém são as relações que surgem de negociações onde ambas partes saem ganhando. A regra de ouro para essas boas negociações é sempre pensar em servir um benefício em troca de outro benefício. 

Quer um aumento de salário? Pense em uma forma de aumentar o faturamento. Quer usar a sua linguagem preferida? Prove que ela trará mais produtividade para o time. Quer entregar o projeto dentro do prazo sem precisar virar noite? Prove que uma determinada funcionalidade não é prioritária neste momento.

Em outras palavras, para conseguir melhores negociações, foque sempre em gerar valor!