Com certeza você já ouviu a frase “Trabalhe com o que ama e nunca mais terá que trabalhar um dia sequer em sua vida”. Faz sentido, né? Se eu gosto do que faço, vou gostar de trabalhar, certo? ERRADO! Sinto lhe informar, mas essa é uma das maiores besteiras que alguém já pode dizer.
Dia desses eu estava ouvindo um podcast de tecnologia onde programadores reclamavam de situações desconfortáveis (para dizer o mínimo) que passaram em suas carreiras. Foram várias reclamações, e o mais engraçado é que eu me via em praticamente todas elas.
Durante muito tempo eu também fui o cara que reclamava do trabalho e das situações escrotas que volta e meia passava. Isso, infelizmente, é comum, principalmente na área de tecnologia.
Só que, de um tempo para cá, eu resolvi mudar. Na verdade, não foi bem uma decisão, mas simplesmente a consequência de conseguir entender diversos conceitos que antes não eram tão claros para mim. Essa bulshitagem de “trabalhe com o que ama” é um ótimo exemplo.
No post de hoje quero compartilhar um pouco desses meus entendimentos, bem como minhas conclusões com você.
As situações merdas da área de tecnologia
Não vou falar qual o podcast em questão, pois meu objetivo não é expor ninguém e muito menos julgar as pessoas. Cada pessoa possui um contexto e devido a esse contexto, as situações podem ter diferentes sentidos para diferentes pessoas. Para mim, cada um deve ser capaz de fazer uma autoanálise e tomar suas próprias decisões. O meu objetivo é apenas fornecer pontos de vista para ajudar nessa tomada.
Os participantes, aparentemente veteranos em programação, reclamavam de situações que são cotidianas em nosso meio. Um deles comentou que, após fazer uma grande entrega, inclusive trabalhando muito além do combinado, recebeu como recompensa uma reclamação de que gastava muito tempo com streaming de música.
Outro comentou a aparente injustiça de sempre ter que virar madrugadas corrigindo bugs enquanto o chefe ficava somente cobrando pelo telefone do conforto de seu lar. Reclamaram também de precisar trabalhar por outras pessoas e, por incrível que pareça, ser repreendido por isso.
Sim, para quem não está acostumado com nossa área, essas atitudes são reais e até que relativamente comuns. Eu mesmo já presenciei várias situações e até cheguei a passar por algumas delas.
Além dessas reclamações, foram levantados alguns outros pontos que não necessariamente são reclamações, mas algo como constatações. Por exemplo, o fato de que é necessário se esforçar muito para ganhar um bom salário e, muitas vezes, os gestores não vão te reconhecer por isso. Ou mesmo o fato de empresas mentirem alegando que seu salário será renegociado no futuro, somente com o objetivo de contratar mais barato.
Certo ou errado, bom ou ruim, fato é que essas situações existem. Como disse, meu objetivo não é expor e nem julgar ninguém, mas sim refletir sobre o assunto e, principalmente, discutir sobre como fugir dessas situações.
Como não passar por isso?
“Antes de mudar o mundo, você deve mudar a si mesmo.”
Essa sim é uma frase de respeito. Acredito que muito desses problemas podem ser evitados apenas mudando o ângulo sobre como enxergamos as situações.
Sim, tem gente que vai te fazer algum mau. Algum dia você vai sofrer uma traição, algum dia você vai ser injustiçado. Isso não é um problema exclusivo da nossa área. Isso é um problema do mundo, do ser humano.
Entender que “a vida não é esse toddynho gelado” é o primeiro passo para que você consiga identificar quando algo de ruim pode acontecer com você e, assim, evitar.
Dito isso, é necessário também entender os papéis que as pessoas e as instituições exercem em nossa vida. Empresa não é família. Seu chefe não é seu pai.
Não se pode permitir que um superior seu controle a música que você ouve, ou o site que você visita. Em um mundo de adultos, relações são estabelecidas na base da confiança.
Se um funcionário meu deixa de gerar resultado para assistir vídeos no Youtube de forma recorrente, ele está quebrando a nossa relação de confiança. O combinado, a grosso modo, foi “eu te pago para gerar resultado, não para assistir vídeos”. O contrário vale de forma igual. O combinado não é alguém te vigiando, como se você tivesse 7 anos de idade.
Nesses casos, quando a confiança é quebrada, não vejo alternativa a não ser encerrar essa relação profissional: demissão, quando o funcionário quebra a confiança; troca de emprego, quando é o empregador.
Não se pode também esperar lealdade da sua empresa com você. Empresa é um ser abstrato, não possui vida, não possui sentimentos. Na grande maioria das vezes você é apenas um número. Isso é uma merda? Sim, é. Mas a vida, infelizmente, não é esse toddynho gelado.
É importante dizer que, sim, é possível construir relacionamentos baseado em confiança, lealdade, honestidade e outros bons valores. Não só possível como importante e necessário. Porém, relacionamentos se constroem com pessoas, e não com empresas. É importante também citar que existem pessoas boas e existem pessoas más. Saber identificar as pessoas com as quais devemos nos relacionar dessa forma é super importante. Saber identificar as que não devemos é mais importante ainda.
Já que hoje eu estou na pegada de usar frases de efeito, outro ponto importante de se entender é que “na vida, não se ganha o que se merece, se ganha o que se negocia”.
Via de regra, as pessoas não estão interessadas no quanto você se esforça. Ninguém está interessado no quanto você estudou e quanto você tem de conhecimento acumulado. As pessoas estão interessadas apenas no valor que você gera.
E não basta apenas gerar valor. É preciso também saber demonstrar o valor gerado e negociar uma parte deste valor como remuneração.
“A arte da vida é saber qual sapo devemos engolir”
Continuando com frases feitas, essa frase eu acabei de inventar.
Sabe o que eu amo fazer? Eu amo tomar cerveja e ficar horas em uma mesa de bar beliscando uma porção de torresmo e falando sobre os mais variados assuntos. Eu também amo ler e assistir filmes, sem hora para começar nem acabar. Amo também jogar videogame, fazer esporte, ou até mesmo ficar sem fazer nada.
Nem meus pais, com todo o dinheiro do mundo nas contas, pagariam para eu “trabalhar” com o que amo fazer.
O mundo da tecnologia é (pelo menos até o coronavírus) um mercado de capital abundante, demanda latente e oferta mão de obra completamente escassa. Some isso a uma geração em que a adolescência dura até os 30 anos, e temos como resultado empresas que precisam mimar seus funcionários com mesa de ping pong, vídeo game, piscina de bolinha, geladeira com cerveja grátis, tempo remunerado para projetos pessoais e etc.
E, não se engane, esses são os menores dos problemas. O mundo da tecnologia hoje é repleto de pessoas que não suportam o mínimo stress. Sinto lhe informar, mas o mundo real não funciona dessa maneira.
“O sucesso de uma pessoa pode ser medido pelo número de conversas desconfortáveis que ela está disposta a ter”. O dia a dia é feito de momentos bons e momentos ruins. No seu trabalho, você terá momentos de prazer e amará estes momentos, mas também terá momentos de stress e odiará estes momentos. Como em qualquer outro setor da vida.
E, claro, não acho que quem reclame de situações merdas sejam apenas crianças mimadas. Este NÃO é meu ponto. Volto a repetir: as pessoas possuem contextos individuais e fazer qualquer julgamento baseado em poucas informações é, no mínimo, leviano.
O ponto aqui é que o segredo da coisa é saber identificar os prós e os contras de cada situação, e, a partir disso, decidir quais situações você aceita passar, mesmo que sofra durante um tempo, e quais situações você não aceita. Como fazer isso? Com muita reflexão e autoconhecimento.
Por fim, deixo uma dica que resume toda minha linha de raciocínio: Aceite o que der para ser aceito e mande a merda o que não for aceitável (claro, desde que você possa se dar este luxo).